O povo negro no Brasil resistiu bravamente a todas as formas de opressão e degradação da pessoa humana; do degredo propriamente dito da distante Mãe África ao açoite nas senzalas, às profissões e ofícios mais aviltantes no pós-escravidão, à falta de isonomia nas oportunidades, passando pela eliminação física nas batidas policiais, à moradia indigna nos mocambos, palafitas e favelas.
Tudo que nós, afro-descentes, conquistamos até então foi fruto de lutas históricas, de muito suor e sangue, e também de muitas mortes. O reconhecimento da saga e do martírio do povo negro é uma página da tenebrosa História do Brasil, que precisa ser recontada e reescrita milhões de vezes e ensinada nas escolas como disciplina obrigatória, a fim de que as atuais e futuras gerações possam viver em harmonia e promover a cultura da paz, sem pieguices, como bem nos ensina o professor Boaventura dos Santos: "graças e não apesar das nossas diferenças".
É neste contexto que devemos entender e celebrar o dia 20 de novembro - Dia da Consciência Negra - assim decretado e reconhecido nacionalmente, como a data da morte de Zumbi dos Palmares, símbolo maior da heróica resistência do povo negro no Brasil ao flagelo da escravidão e a todas as formas de opressão. Um grande grito pelo Direito à Liberdade!
Coisa de Negro, sim, seu doutor!
Coisa de Negro Cosme, nosso grande herói da Balaiada; de João Cândido, nosso almirante negro da revolta da chibata; de Maria Firmina, primeira mulher negra da literatura maranhense; de Nascimento Moraes, nosso baluarte da ecologia; de Dica, das lutas comunitárias pelo direito à liberdade de expressão; de João do Vale, o maranhense do século; de Antônio Vieira, nosso grande e eterno menestrel; de Apolônio, Anivô e Leonardo, que tantos toques de vida nos ensinaram e continuam ensinando nas suas imemoráveis lições; das Célias, Maria e Sampaio, com as suas vozes divinas; de Rosa Reis, rainha africana, a esbanjar encantamento por todos os cantos do mundo; de Dona Teté, imortalizada pelo seu Cacuriá, que atravessou o Estreito dos Mosquitos e os oceanos; do inesquecível parceiro Escrete; da Dra. Graça Reis Lopes e Sebá, irmãos dos quais tenho imenso orgulho e admiração; de Eliane Morais, conhecida com preta, nos tempos de organização revolucionária; de Jorginho Miséria e Sabará, figuras que deixaram suas impressões digitais nas militâncias culturais do Anjo da Guarda; de Magno Cruz, Dr. Luisão, Manoel dos Santos, Mundinha Araújo e tantos outros militantes do movimento negro que hoje são referência para a nossa cidadania cultural; de Mestre Felipe de Sibá, o maior do tambor-de-crioula, patrimônio cultural brasileiro; dos nossos mestres das danças populares, Profa. Waldecy Vale, Zumbi Bahia e Saci Teteléu, artistas de muitos instrumentos.
Coisa de negro, sim, seu doutor!
Coisa de Mãe Andressa, da Negra Fulô, da incansável companheira Célia, advogada militante, que tanto lutou pelos Direitos Humanos em nosso estado; de Luiz Fernando "Prego", que bordou a canção "Pérolas Negras" para o deleite dos nossos ouvidos; da Banda Guetos, de Tadeu de Obatalá, de Candinho e Paulinho Akomabu, a primeira formada por negros, que até hoje permanece firme com sua proposta no cenário musical maranhense; Coisa de Pai Euclides, do Maranhão ao Benin; de Creusamar de Pinho, que disputa a todo instante os espaços para o exercício do direito à moradia digna para as populações mais humildes e necessitadas; de Sílvio Bebém, Chocolate e do deputado, Domingos Dutra, meus aguerridos companheiros de Partido; de Manoel Rubim da Silva, por tudo que legou à Receita Federal do Brasil e está legando à literatura e à Universidade Federal do Maranhão; de Luis Carlos Guerreiro, com a sua muitas vezes incompreendida irreverência, mas sempre leal às grandes causas populares; dos companheiros do Ministério da Cultura, Adair Rocha, da Representação Regional do Rio de Janeiro, e Henry, da RR de São Paulo; do Prof. Muniz Sodré, Zulu Araújo e Nascimento Júnior, dirigentes da Fundação Biblioteca Nacional, Fundação Palmares e do Instituto Brasileiro de Museus; coisa do Grupo de Dança Abanjá e do mais que glorioso Centro de Cultura Negra, que já passou dos trinta, consolidando-se como um vivo exemplo para todo movimento negro do Maranhão; coisa das nossas seculares comunidades quilombolas espalhadas por todos os territórios de identidade que permeiam as geografias das nossas ancestralidades.
De muitos e tantos outros negros que deixei de citar, por ignorância ou esquecimento, a quem homenageio com as estrofes de duas belas parcerias que permanecem no cancioneiro e na memória do povo negro do Maranhão:
"Bandeira de Liberdade", em parceria com o saudoso irmãozinho Escrete:
"Gaiola não é prisão pra negro/prende segredos, mas não pode nos prender/que bandeira é aquela?/é Luther King, é Zumbi, Nelson Mandela".
"África, Brasil, Caribe", em parceria com cantor e compositor Beto Pereira:
"Meu país, meu continente/minha nação varonil/minha América Latina/meu pedaço de Brasil/minha tribo, minha gente/minha raça, meu amor/meu futuro, meu presente/é da cor da tua cor".
ISSO É COISA DE NEGRO!
Joãozinho Ribeiro escreve para o Jornal Pequeno às segundas-feiras.